Uma estória dos tempos de Cristo
Há cinco anos, não longe deste lugar, respeitável Senhor, tive a oportunidade de presenciar um dos maiores atos de coragem que já vi. E pasme Nobre Comandante, foi por parte de uma mulher. De uma bela mulher, de uma mãe ainda jovem que acompanhou passo a passo o horrível martírio do seu filho. Este homem chamado Jesus e que hoje é intitulado de rebelde pelo Império, e acusado de sedicioso pelos parlamentares do Sinédrio, mas, que entretanto, eu conheci como extremo respeitador da lei e da ordem, inclusive a nossa inflexível Lei Romana, era o filho desta mulher de fibra. De certa feita, lembro me bem que ao ser indagado por aquelas raposas felpudas judaicas, os fariseus, que já tivestes a oportunidade de conhecer, questionando-o para tentá-lo, sobre a legitimidade dos nossos tributos, tomou com sabedoria de um Sestércio e disse serenamente aos circunstantes: O que vêdes nesta face da moeda romana? E, responderam-lhe os fariseus: a efígie de César. Pois bem disse ele calmamente, dai a César o que é de César e dai a Deus o que é de Deus. Este homem Senhor, que respondeu a maliciosa pergunta com tanta sabedoria, operou prodígios, curou leprosos, equilibrou lunáticos, transformou água em vinho e ressuscitou um morto, um homem rico chamado Lázaro, o qual conheci pessoalmente, como a tantos outros judeus proeminentes, nestes meus quinze anos de serviço nesta esquecida província da Judéia. Nunca vi nenhuma conduta errada por parte deste homem. E, no entanto, foi por nós humilhado, torturado e crucificado perante os olhos de sua mãezinha, aquela jovem senhora que reputo como uma das pessoas mais dignas e corajosas que conheci.
Quem assim falava era o velho centurião Sextus Glabrus, reportando-se à interessada pessoa de um jovem Tribuno de Guerra romano, oriundo de tradicional família patrícia, alto, forte moreno de tez escura mediterrânea, que viera para a Judéia enfrentar os rebeldes que insurgiam-se contra o poder de Roma e eram chamados de Zelotes, açoitando-se nas escarpadas montanhas das Colinas de Golã, nas montanhas de Ebal e Gerizin, chefiados entre outros facínoras, por um perigoso líder chamado Barrabás. No vigor dos seus vinte e cinco anos de idade, Caius Lucius Marcius, era este o nome do jovem Tribuno de Guerra, franziu o sobrolho de negras sobrancelhas arqueadas e obtemperou de forma severa:
- Centurião, parece-me que permanecestes por demasiado tempo nesta terra inóspita, e assimilastes certas ignominiosas simpatias pelos hábitos e superstições locais, incompatíveis com os interesses romanos. Se quiseres, recomendo-te o imediato regresso para Roma, para perfazeres os últimos cinco anos de serviço que te restam nos almoxarifados dos quartéis de intendência no campo de Marte, em respeito à tua extensa folha corrida, na Núbia, Etiópia e Egito, antes de teres sido enviado para esta miserável e execrável província.Como afirmas a mim, filho do famoso Tribuno Claudius Veranus o africano, Patrício e oficial general de César Comandante Supremo das nossas Legiões na África,que um simples mortal, um reles carpinteiro, segundo os relatos que recebi do nosso serviço secreto, que foi crucificado por nós, como traidor do Império, tivesse o poder de transformar água em vinho, curar leprosos, fazer cegos voltarem a enxergar e ressuscitar mortos? Sextus, Sextus, Sextus... disse, mexendo no pesado bracelete de ferro que trazia no punho direito, e que todos os nobres romanos ganhavam quando sagravam-se oficiais da Escola Militar do Campo de Marte. Deves ter permanecido muito tempo no escaldante deserto desta terra ignóbil. Terias tu também sofrido algum tipo de sortilégio deste perigoso homem que embora crucificado e morto
por nós, a mais de cinco anos, teima em viver na memória de todos, inclusive na tua? Não são os chamados cristãos, os revoltosos que comandados por este facínora denominado Barrabás, que não tenho dúvidas deve ter sido seu assecla, temos tido tanto trabalho para combater, nas montanhas nestes últimos cinco anos após a crucifixação deste tal Jesus? Para combater estes insidiosos é que me arrancaram das campanhas na Europa onde eu teria mais glórias e honrarias, para vir para cá, para esta terra quente e infernal. Pelo menos é isso que me relatam estes aparentemente respeitáveis anciãos judeus que formam esta espécie de arremedo de Senado chamado Sinédrio. São judeus e eu os desprezo só por este simples fato. Porém são servis e subservientes ao nosso imenso poderio imperial. Aliás, não vejo a hora de terminar essa missão menor para poder alçar vôos para grandes batalhas contra exércitos regulares de países organizados e não contra fanáticos guerrilheiros maltrapilhos.Segundo as informações de Antonia Severa Agripina, minha mãe, prima em terceiro grau do Senador Publius Lentulus, que tem grande influência na corte, Tibério César enviou-me para cá para que eu adquirisse experiência política porque, quanto à militar os relatórios com relação à minha pessoa são os mais favoráveis possíveis, pois eu vivo Roma, respiro Roma e sirvo à Roma acima de tudo e de todos!
Esta conversa dava-se em uma noite quente no páteo interno da fortaleza de Minoa, a última fronteira, da desprezada província da Judéia a mais pobre e esquecida de todas as províncias romanas no Oriente. Solitário Posto avançado romano nas bordas do deserto inclemente. Sob a cabeça de Caius Lucius Marcius, o jovem Tribuno de Guerra, erguia-se majestosa, a dourada águia romana, destacando-se sobre as bandeiras vermelhas, as bandeira brancas com as águias negras de veludo, bordadas em relêvo e os estandartes regimentais da Nona Germânica, a Legião de elite, que acabara de desembarcar para combater os rebeldes judeus, cinco anos depois da crucificação de Jesus.Em volta da mesa rústica de madeira maciça, onde bebia-se o áspero vinho nativo e comiam-se nacos de carneiro assado à moda Legionária, os oficiais romanos recém chegados, de Roma, todos muito jovens e ávidos por mais conquistas, circundavam seu jovem general, conversando e relatando episódios, muitos deles fantasiosos, sobre os misteriosos cristãos que aglutinavam-se nas ditas casas do caminho e ali tratavam dos ferimentos dos rebeldes comandados por Barrabás. Sextus era da guarnição da Jordânia, e havia sido transferido para Minoa, quando da crucificação de Jesus, que havia sido sacrificado por esta guarnição, escolhida na época pelo Procônsul Poncio Pilatos, o qual agora, recolhido à sua mansão na via Ápia antica em Roma, vivia cuidado por escravos, em lamentável estado de confusão mental suportando ainda os lamentos de remorsos de sua esposa Claudia Prócula. Minoa, na época da crucifixação de Jesus, cinco anos antes da chegada de Caius Lucius Marcius, por ser apenas um quartel sentinela para prevenir ataques de beduínos, era guarnecida pelos legionários em fim de carreira por ser considerada uma fortaleza sem maior expressão, diferente da fortaleza de Cafarnaum onde aquartelam-se legiões compostas por legionários mais jovens, provindos da Síria e do Líbano. Porém, com o recrudescimento da revolta, por parte dos Zelotes, e pelo fato dos mesmos esconderem-se no deserto, Minoa havia passado a ser um posto avançado importante, recebendo naquela noite, o General Caius Lucius Marcius, jovem comandante supremo da lendária Legião nona Germânica, assim chamada por haver dominado as tribos bárbaras da Alamânia, província integrante de toda uma região nórdica chamada pelos romanos de Germânia.
A nona Germânica, era uma aguerrida tropa de linha de frente, com trezentos cavalarianos, dois mil soldados de infantaria leve, trezentos arqueiros, e mais 2.400 soldados de infantaria pesada, formando cinco mil soldados de linha de frente, e seus oficiais, chegados a apenas um mês na Judéia, tendo desembarcado no porto de Jôpa.Caius Lucius Marcius era um patrício de nobre origem que havia conquistado seu generalato após diversas batalhas na Gália, na Visigódia na Gália e Germânia.
Sextus, o veterano centurião, havia conhecido Longinus o legionário quhavia atravessado o tórax de Jesus com sua lança a famosa Larissa dos romanos, que a haviam copiado dos macedônios. Longinus na verdade havia tido um ato de piedade, afim de abreviar o sofrimento de Jesus.Mas quando o fez, Jesus já havia dito a célebre frase: “Está consumado”.Longinus, tempos depois após ter testemunhado o terrível temporal que na época havia desabado sobre Jerusalém, após a morte física do Cristo, havia se transformado e convertido alguns dos seus companheiros de farda em cristãos. Sextus era um deles. Sextus, um ano após os acontecimentos do Gólgota, havia ficado muito doente, vitimado pelo remorso e um dia de joelhos pediu que Jesus o curasse. E, ele havia se curado. Respirando fundo, pensando firme em Jesus, naquela noite, Sextus resolveu contar sua própria experiência para o recém chegado General, e ao terminar, muito entusiasmado lhe disse com voz embargada:
- Senhor, se quiseres posso levar – te pessoalmente à mãe deste Rabino, a qual vive humildemente na Galiléia, para que possas ouvi-la, para que possas ouvir da sua boca quem na verdade foi este, justo, que os fariseus, te dizem mentindo descaradamente que é o inspirador da rebelião.Sou oficial romano e lutarei de gládio em punho até a última gôta do meu sangue, contra os rebeldes acoitados nas montanhas e que são comandados por Barrabás.Mas, os cristãos são pacíficos Senhor.Os fariseus, do Sinédrio, engendraram esta estória, para tirar os vossos olhos dos verdadeiros conjurados que são alimentados por eles próprios.São os pérfidos fariseus que odeiam Roma, porque não suportam pagar os impostos devidos à César.Foram eles que pagaram a centenas de pessoas para gritar pelo nome de Barrabás, quando Poncio Pilatos perguntou à turba, quem deveria ser condenado à morte.Jesus ou Barrabás. Eu estava lá! Os fariseus já financiavam a insurreição desde esta época.Há cinco anos desde que Jesus foi injustamente crucificado, os fariseus do Sinédrio, é que fornecem armas e alimentos para os verdadeiros revoltosos.Jesus, nunca pregou a guerra, nunca concitou ninguém à luta armada.Jesus pregava a paz, o amor e a caridade.Venha comigo conhecer Maria, a mãe deste galileu que nunca fez mal para ninguém, para que conheças a imensa força espiritual deste santo homem, através da serenidade, da força espiritual desta santa mulher, desta matrona que teve a glória de conceber este Salvador que no meu entender imolou-se por toda a Humanidade, como um cordeiro no altar sacrificial. Para mim Senhor, ele é o Rei dos Reis e ela a mãe de todos os homens!O círculo de oficiais mirava Sextus atônito. Aquartelada em Minoa, para a varredura do deserto, estava ali, na fortaleza de Minoa, além de sua veterana guarnição, a legendária 9ª Germânica, que havia vencido grandes batalhas contra gôdos, visigodos e alamanos, grandes guerreiros chamados pelos romanos os terríveis bárbaros do norte. A 9ª Germânica de tantas tradições e sangrentas batalhas, que ali estava sob o comando do grande Tribuno de Guerra romano Caius Lucius Marcius. Principalmente os jovens oficiais e cadetes vindos de Roma arregalavam os olhos surpresos e fitavam agora o jovem General.
De compleição forte, musculoso, Caius, endireitou – se pensativamente, naquele momento de grande tensão. Sua mão direita, neste momento, brincava com o broche de grão comando, que lhe prendia o manto púrpura na armadura com artísticos detalhes dourados. Respirou fundo, tomou de um papiro, onde estava a folha corrida de Sextus, leu-a com vagar mais uma vez, e com voz mansa disse comovidamente:
- Centurião! Já fostes diversas vezes ferido em combate pela Glória de Roma. Tua folha de serviço, recomenda – te. Por Marte! Teu estado mental de confusão é que me preocupa. Já não tenho mais dúvidas! São perigosíssimos estes cristãos. Porque além de combaterem contra nós, além disso, lançam mão de bruxarias e sortilégios de toda sorte para enfeitiçarem nossos oficiais. E, deixando de lado o tom pensativo e a mansidão de voz, disse em severo tom de comando:
- Determino teu imediato retorno a Roma para que sejas curado por nossos áugures e magos para que conjurem e exorcizem a bruxaria da qual fostes vítima, e sejas afastado desta pérfida influência. Entrega teu gládio para o centurião Quintilianus Maximus da 9ª Germânica, e passo desde já a tua centúria para o comando do teu imediato, Centurião Túlius Bertulius.Bateu o punho fechado no peito e clamou: Força e Honra! Os jovens oficiais levantaram-se de uma só vez e falaram a uma só voz: Força e Honra!
Mas Senhor, disse Sextus com lágrimas nos olhos, escorrendo pelo rosto crestado pelo inclemente sol do deserto. Não queres aceitar meu convite para conheceres a mãe do Nazareno e João seu jovem discípulo, que o acompanhou até os últimos dias para saberes a verdade? Porque viestes de Roma, com ordens diretas do Imperador para apurares quem são os verdadeiros revoltosos, para saberes se os cristãos são realmente perniciosos para o Império, levando diretamente às mãos de Tibério César vosso relatório político. Porque, se fores tocado pela verdade, podereis combater, contando também com a minha valorosa espada, os verdadeiros revoltosos e com vossa influência na corte e no exército, levardes a boa nova do Cristianismo, que poderá instaurar uma nova era de paz e harmonia para a humanidade, evitando que anos mais tarde, os cristão sejam sempre perseguidos e torturados, evitando que hajam mais mártires, crucificações e famílias inocentes sejam jogadas às feras...não conseguiu concluir.Foi abruptamente interrompido por um grito do jovem tribuno, que, em um átimo pondo-se de pé, com um forte brado, interrompeu o centurião.
- Basta, basta, por Júpiter! Ele insiste, bradava colérico o tribuno. Estás completamente louco! O que achas que vai querer um nobre romano com uma velha judia de aldeia remota? Mais uma palavra e não terei condescendência contigo! Quintilianus, Lépidus, Cúrius, Crésius, Valerius, Maximilianus, acompanhem o centurião aos seus aposentos e amanhã mesmo cuidem para que uma decúria, o leve escoltado para o porto de Jôpa, e seja colocado na primeira galera navalis com destino a Roma! Cuidarei pessoalmente para que receba o dôbro do soldo, e uma gleba de terra em Herculanum, pelos bons serviços prestados ao Império! Centurião Marcus Vinicius meu braço direito, acompanhai pessoalmente a patrulha, e cuidai para que não falte ao bom Sextus, água fresca, pães, vinho, carne de carneiro defumado e do bom queijo romano.
Um silêncio pesado, invadiu a sala de refeições dos oficiais. Pela janela aberta, os oficiais de César, ouviram o estrondo de trovões acompanhado de um ruído estranho e puderam ver as palmeiras farvalhando, e dobrando-se sob o poder de um fortíssimo vendaval inesperado.Um escravo provindo de Alexandria, que servia vinho, disse aterrorizado: “Senhor, disse, com voz trêmula, este vento é o simun a tempestade do deserto, Deus está colérico”. Caius Lucius, aproveitou-se deste ensejo, para recuperar o ânimo dos soldados. Deu um violento pontapé no escravo que esborrachou-se no chão, enquanto os romanos riam as gargalhadas, e disse:
- Por que nunca vende assim em Roma? Porque, Roma é o próprio vento! Roma é o vento imperial que açoita as nações! Senhores retomem vossos lugares. A partir de amanhã a águia romana alçará seu voô de morte e destruição, para vingar mais este sortilégio lançado contra um de nós. Vinguemos Sextus que está enfeitiçado! Que não haja paz, que não haja clemência para os cristãos. Escreverei em meu relatório a Tibério César que estes infames lançam mão de pérfidas bruxarias em vez de nos enfrentarem em campo aberto. Covardes! Desembainhou o gládio, o temível gládio romano e bradou: Morte aos cristãos! Os oficiais desembainharam seus gládios, e em uníssono bradaram: Que não haja clemência para os cristãos! Força e Honra! Naquela noite, há dois mil anos, na fímbria do deserto, Caius Lucius Marcius jovem Tribuno de Roma, o arrogante Patrício guerreiro, comandante da nona germânica, havia jogado fora a oportunidade de conhecer Maria, e o seu infinito amor, fato que poderia muito ter mudado, as perseguições sem fim, que os romanos fizeram aos cristãos, durante anos a fio. É assim que funciona o livre arbítrio.Para o bem ou para o mal.
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